Pela detida leitura e exegese da nova Lei do Mandado de Segurança, observa-
se que esta não trouxe grandes inovações no que tange à legitimidade para
figurar no pólo passivo da relação processual.
Verifica-se que o que fez a nova Lei no tocante a legitimatio ad causam, foi
normatizar, tornar expresso o que já vinha sendo decido pela jurisprudência e
entendido pela doutrina nos casos de silenciar, quanto a legitimação, a lei
revogada (lei 1533/51).
Assim temos que autoridade coatora ou autoridade impetrada, na lei revogada,
era qualquer autoridade que praticasse ato abusivo ou ilegal, ou ainda que
ameaçasse lesar direito líquido e certo do impetrante; é o que restava
disciplinado no artigo Primeiro da Lei 1.533/51:
Art. 1º – Conceder-se- á mandado de segurança para proteger direito líquido e
certo, não amparado por habeas-corpus, sempre que, ilegalmente ou com
abuso do poder, alguém sofrer violação ou houver justo receio de sofre-la por
parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções
que exerça.
Já o Parágrafo Primeiro da mesma lei, com a redação que lhe foi dada pela
Lei 6.978/82, assim definia o conceito de autoridade coatora:
§ 1º – Consideram-se autoridades, para os efeitos desta Lei, os representantes
ou órgãos dos Partidários Políticos e os representantes ou administradores das
entidades autárquicas e das pessoas naturais ou jurídicas com funções
delegadas do poder público, somente no que entender com essas funções.
(Redação dada pela Lei nº 6.978, de 1982)
Por seu turno a Lei 9.259/96 deu nova redação ao Parágrafo Primeiro,
excluindo do conceito de autoridade, os representantes ou órgãos dos Partidos
Políticos, ficando assim redigido o dispositivo:
§ 1º – Consideram-se autoridades, para os efeitos desta lei, os representantes
ou administradores das entidades autárquicas e das pessoas naturais ou
jurídicas com funções delegadas do Poder Público, somente no que entender
com essas funções. (Redação dada pela Lei nº 9.259, de 1996)
Já a novel regra para interposição da Ação de Garantia, assim define:
Art. 1 o Conceder-se- á mandado de segurança para proteger direito líquido e
certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que,
ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer
violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que
categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.
Aqui a nova lei inclui expressamente entre os sujeitos ativos também as
pessoas jurídicas, estas não contempladas expressamente no artigo 1º da lei
1.533/51, que, simplesmente se referida a “alguém”; fato este, como já
afirmamos, que já vinha sendo admitido com largueza pela melhor doutrina e
jurisprudência, notadamente a do STJ, a quem cabe, por missão constitucional,
uniformizar os entendimentos acerca das leis infraconstitucionais.
Igualmente se pode notar que a nova lei não trouxe inovação, mas tão-somente
normatizou e deixou expresso o que já se havia pacificado na prática forense,
qual seja o fato de que também as pessoas jurídicas podem impetrar mandado
de segurança.
Fez também a novel legislação, equiparar ao conceito de autoridade passível
de figurar como coatora no mandado de segurança, os representantes de
órgãos e partidos políticos, bem como os dirigentes de pessoas jurídicas e as
pessoas naturais no exercício de função delegada do Poder Público, tal como
já afirmamos detalhadamente no capítulo 5 de nosso livro:
§ 1 o Equiparam-se às autoridades, para os efeitos desta Lei, os representantes
ou órgãos de partidos políticos e os administradores de entidades autárquicas,
bem como os dirigentes de pessoas jurídicas ou as pessoas naturais no
exercício de atribuições do poder público, somente no que disser respeito a
essas atribuições.
Uma inovação trazida pela lei 12.016/2009, foi a impossibilidade de figurar no
pólo passivo aquele que, embora conceituado como autoridade nos termos da
lei, praticar mero ato de gestão, comercial ou administrativa. Vejamos:
§ 2 o Não cabe mandado de segurança contra os atos de gestão comercial
praticados pelos administradores de empresas públicas, de sociedade de
economia mista e de concessionárias de serviço público.
Ora, se não cabe mandado de segurança contra atos de gestão, a cosequencia
lógica é que a autoridade que pratica tais atos, não está legitimada a figurar no
pólo passivo da relação processual.
E ainda, outra inovação que já vinha sendo admitida pela jurisprudência foi a
de considerar autoridade federal aquela cujos atos praticados gerarem
conseqüências de ordem patrimonial pela União, no caso de concessão da
segurança e procedência do pedido mandamental.
Este fato jurídico restou assim insculpido na nova Lei:
Art. 2 o Considerar-se- á federal a autoridade coatora se as consequencias de
ordem patrimonial do ato contra o qual se requer o mandado houverem de ser
suportadas pela União ou entidade por ela controlada.
Como ressabido e bem colocado por Hely Lopes Meirelles, autoridade é toda
pessoa física investida de poder de decisão dentro da esfera de competência
que lhe é atribuída pela norma legal.
Todavia, a questão da legitimidade não se exaure de forma tão simples.
Ousamos discordar parcialmente do pranteado mestre administrativista, para
afirmar que a pessoa física legitimada a figurar no polo passivo da relação
processual, denominada autoridade coatora é mera representante processual
da pessoa jurídica de direito público que representa ou a que está vinculada.
E isso em razão de que jamais se impetrará mandado de segurança para
impugnar ato pessoal daquela autoridade enquanto despida do poder decisório
inerente ao exercício de sua função pública, é dizer que sempre se estará
impugnando um ato praticado por autoridade, mas em favor ou em nome da
administração pública, jamais agindo a autoridade como particular.
Daí nossa afirmação de que quem realmente figura no polo passivo da relação
processual é a pessoa jurídica de direito público, representada pela autoridade
que praticou ou detém meios de corrigir o ato vergastado.
Pessoa Jurídica de Direito Privado
Ainda Hely Lopes Meirelles, assevera que as pessoas naturais ou jurídicas com
funções delegadas pelo Poder Público tem plena legitimidade para figurar na
relação processual no mandado de segurança, integrando o polo passivo.
Igual entendimento, hoje pacífico, foi esposado pelo extinto Tribunal Federal de
Recursos1: "É hoje pacífica a admissibilidade de mandado de segurança
contra diretor de estabelecimento particular de ensino superior, no exercício de
função delegado do poder público"
Restou então pacificada a questão coma edição do verbete 510 da súmula de
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: "Praticado o ato por autoridade,
no exercício de função delegada, contra ela cabe o mandado de segurança ou
medida judicial"
Grifamos a palavra "ela" para, concessa máxima vênia, discordar da redação
da súmula, jamais do seu teor. Com efeito, ao dizer que contra ela(autoridade)
1 in RT 496/77:
cabe o mandado de segurança, se está personificando o ato na pessoa da
autoridade. Assim a impetração seria dirigida contra a autoridade e não contra
o ato em si. Entendemos que a melhor e mais feliz grafia seria "ele" (ato) e não
ela(autoridade). Desta forma a leitura da súmula seria, uma vez praticado o ato
por autoridade(…) contra "ele" (ato) cabe mandado de segurança.
É que, como já afirmamos, a impetração visa desconstituir, impugnar um ato
arbitrário, ilegal e lesivo ao direito subjetivo da parte, então, é dizer que o que
deve ser impugnado é o ato em si e não a autoridade.
Note-se que a melhor técnica processual recomenda a impetração nos
seguintes termos "(…) vem impetrar mandado de segurança em face(não
contra) de ato praticado pelo Sr. Delegado da Receita Federal no Rio de
Janeiro…"
Dessarte, não há distinção entre ato praticado por autoridade pública e ato
praticado por particular no exercício de delegação do poder público que seja de
molde a obstar o manejo da ação de garantia, uma vez provada a certeza e
liquidez do direito lesado ou ameaçado de lesão.
Pessoa Jurídica de Direito Público
Mais uma inovação foi a obrigatoriedade de constar no pólo passivo além da
autoridade impetrada, também a pessoa jurídica que a autoridade indicada
integra ou representa.
Destarte, todo mandado de segurança impetrado a partir da edição da lei
12.016/2009 deverá indicar também a pessoa jurídica a qual pertence a
autoridade coatora, e isto em razão de que, como afirmamos em nossa obra, a
autoridade não pratica o ato em benefício próprio, mas ao contrário, o faz em
nome da Administração ou da Pessoa Jurídica a qual integra, tal como já
abordado no capítulo 4, pag. 49.
Eis a redação a qual nos referimos:
Art. 6 o A petição inicial, que deverá preencher os requisitos estabelecidos pela
lei processual, será apresentada em 2 (duas) vias com os documentos que
instruírem a primeira reproduzidos na segunda e indicará, além da autoridade
coatora, a pessoa jurídica que esta integra, à qual se acha vinculada ou da qual
exerce atribuições.
Também o fez, a lei, no sentido de garantir a defesa judicial dos órgãos da
Administração Pública, não deixando a argumentação contra a impetração
apenas a cargo das informações prestadas pela autoridade impetrada,
trazendo ao mundo jurídico a possibilidade de a Pessoa Jurídica intervir no
processo, apresentando defesa, recursos, informações ou documentos que, a
seu critério, julgar necessários para o deslinde da questão posta na ação
mandamental.
É o que estabelece o inciso II do artigo 7º da lei 12.106/2009:
Art. 7 o Ao despachar a inicial, o juiz ordenará:
II – que se dê ciência do feito ao órgão de representação judicial da pessoa
jurídica interessada, enviando-lhe cópia da inicial sem documentos, para que,
querendo, ingresse no feito;
Infelizmente pecou a nova redação do Parágrafo 3º do artigo 6º ao não
aproveitar a oportunidade de alargar o conceito de autoridade coatora,
deixando-o restrito, como já restrito estava na Lei revogada.
Art. 6º ……………………………………….
§ 3 o Considera-se autoridade coatora aquela que tenha praticado o ato
impugnado ou da qual emane a ordem para a sua prática.
Teoria da Encampação
Consiste tal teoria em descaracterizar a alegação de ilegitimidade passiva
manifestada em informações pela autoridade apontada coatora quando esta,
em suas informações, não manifesta apenas sua ilegitimidade, mas adentra no
mérito da impetração, convalida-se, assim, sua legitimidade, aplicando-se a
teoria da encampação.
Para que seja acolhida a teoria da encampação, tem entendido o STJ2 que o
reconhecimento da teoria da encampação no mandado de segurança, exige a
presença de três requisitos: "existência de vínculo hierárquico entre a
autoridade que prestou informações e a que ordenou a prática do ato
impugnado; ausência de modificação de competência estabelecida na
constituição federal; e manifestação a respeito do mérito nas
informações prestadas"
Outra questão de relevo, mas que já restou pacificada no âmbito da Corte
Superior de Justiça, é quando a autoridade indicada no polo passivo da
demanda mandamental, vem aos autos para argüir sua ilegitimidade e, ao
mesmo tempo, defender a legalidade do ato. Nesse momento, ao defender a
legalidade do ato, torna-se legítima para por ele responder. É o que restou
assentado pela primeira seção no julgamento do MS 4.085/DF. Vejamos: "Para
figurar no polo passivo da ação de segurança, autoridade coatora é aquela
que ordena, que determina ou pratica o ato, ou ainda a que defende a
prevalência deste (ato coator), assumindo, embora a posteriori, a posição de
coator” 3
Igualmente elucidativa é a posição adotada pelo Ministro Luiz Fux ao julgar um
caso concreto de arguição de ilegitimidade passiva onde se aplicou a Teoria da
Encampação4, para ele a despeito de o Secretário de Estado da Fazenda
Pública do Distrito Federal ter prestado as informações pertinentes, o Tribunal
a quo extinguiu o processo sem julgamento do mérito, sob o fundamento de
ilegitimidade passiva ad causam da autoridade coatora, ante a sua errônea
indicação. Sob esse ângulo, imperioso consignar que se admite ao Juiz
2 Excerto da ementa do MS 12.779/DF, Rel. Min.Castro Meira, DJe de
3.3.2008
3 STJ 1ª seção, MS 4.085/DF, rel. Min. Demócrito Reinaldo, j. 10.11.97.
4 RMS 19378/DF, DJ 19/04/2007
determinar a emenda à inicial, aproveitando o ato processual válido, bem como
empreender pequenas correções de ofício, na hipótese de equívoco na
denominação da autoridade coatora, como v.g.: quando apontado como coator
um diretor ao invés do superintendente.
Confira-se o teor do brilhante voto: “Destarte, em se tratando de uma ação civil
de rito sumário especial, conforme conceitua Hely Lopes Meirelles, deve ser
considerada a categoria e relevância processual do mandado de segurança, a
fim de permitir ao Juiz a citada correção, a uma: porque a ação mandamental é
instrumento constitucional de proteção dos direitos e garantias individuais, não
subsumidos, por isso, a lei infraconstitucional; a duas: por que a estrutura dos
órgãos administrativos, como sói ocorrer com os fazendários, ante a sua
complexidade, pode gerar dificuldade, por parte do administrado, na
identificação da autoridade coatora; a três: em atenção aos princípios da
efetividade e economia processual, que devem sempre nortear a atividade
jurisdicional.”
Conclusão
Mais uma vez nos reportamos ao que restou afirmado em nossa Obra, qual
seja o conceito de autoridade deve e pode ser flexível, dando legitimidade
passiva também àquela autoridade que embora não pratique ou ordene o ato,
mas que, recebendo uma ordem mandamental tem meios e condições de
cumpri-la, corrigindo o ato inquinado de ilegal. Veja-se o que discorremos no
Capítulo 2.
Concluindo, podemos afirmar com firmeza que o conceito de autoridade
coatora legitimada a figurar no pólo passivo do Mandado de Segurança, não foi
substancialmente alterado pela nova lei, mas sim alargado, não com total
flexibilidade como vem sendo entendido pela doutrina e jurisprudência.
Perdeu-se, mais uma vez, a oportunidade de assegurar aos cidadãos o amplo,
livre e necessário manejo da ação mandamental quando invadidos em seu
direito liquido e certo por ato de autoridade.
Todavia, tal como vinha ocorrendo na vigência da Lei 1.533/51, este conceito,
continuará a ser amplificado pela jurisprudência, como sói ocorrer com a
evolução dos entendimentos em torno do amplo exercício dos Direitos
Fundamentais.